sexta-feira, 24 de fevereiro de 2006

Quando o amor sucumbiu à paixão: ensaio sobre o comportamento monogâmico na contemporaneidade

Conceitos como amor e paixão costumam ser complementares, contudo suas peculiaridades clamam por discernimento. Paixão é factível, perceptível e constatável. A taquicardia, o suor frio, o nervosismo, há um amalgamado de indícios que comprovam a existência de um estado emocionalmente diferenciado. Amor, entretanto, tende a ser um conceito mais amplo, digno de discussões platônicas ante ao banquete. A noção de amor, por mais que seja difundida e até mesmo reproduzida socialmente, encontra sua versão mais frutífera na ponderação individual-filosófica do que é tido como estrutura edificante para uma relação.

Paixão e amor nem sempre se relacionam como seqüências lógicas de uma relação. Um casal apaixonado é diferente de um casal que se ama; contudo, um casal que se ama pode ser um casal apaixonado e um casal apaixonado pode ser um casal que se ama, mas não necessariamente o são; não é certo que um casal apaixonado desperte uma noção maior e menos imediatista de amor, bem como o casal que se ama pode ter experimento larga diminuição em seus ímpetos de paixão.

Por um momento, pode-se dizer que a instituição casamento encontra-se em crise, contudo tal afirmação tem caráter dúbio. O número de casamentos e reservas de espaço para realização de cerimônias e festas ainda é assombroso; questionável é a capacidade que os matrimônios têm de se manterem.

Tomar alguém como parceiro de vida tornou-se algo assustador. Outros caminhos são exteriorizados como opção ao casamento ou na fase anterior a sua inevitabilidade. Em face ao jogo de sentimentos e perspectivas de uma relação duradoura, muitos se lançam em relacionamentos de curto prazo ou abertos, cujo intuito é maximizar os prazeres carnais sem a necessidade de criação de vínculos afetivos mais densos.

A lógica de uma sociedade de consumo acaba se prostrando em diversos níveis de realidade. Aquisição tem sido conceito chavão, que acaba se estendo às ponderações acerca de relacionamentos amorosos. Por que ter o bom se o melhor pode ser encontrado? A procura por pacotes fechados, próximos dos gostos individuais, foi declarada, mesmo que seja uma busca anacrônica. Contudo, ao menos na aparência, os atributos podem ser encontrados de forma ideal. O comprometimento não está em voga, e muitos são os discursos que distanciam os indivíduos de relações formais.

O questionamento a ser feito, no entanto, é se relações que fogem à convencionalidade podem sobreviver em meio a uma sociedade que prega valores monogâmicos. Mais do que isso, até que ponto nossos processos de socialização primários não mexem com o nosso brio em se tratando de uniões afetivas. Parece-me que tentativas de relacionamento aberto acabam se frustrando na gênese de uma paixão, sentimento amplamente carregado de uma vontade de compartilhar privacidade com um parceiro. Será possível que consigamos nos apaixonar por mais de uma pessoa ao mesmo tempo ou o sistema de monogamia seriada continua mais apurado para o nosso modelo de sociedade?

O amor, concebido como estrutura de longevidade e cumplicidade, não consegue mais competir com a inebriante sensação de estar apaixonado? Talvez, nem seja o caso; é possível que, em virtude de tantos desencontros, experimentar seja o estágio probatório de uma relação frutífera. Contudo, há algo de estranho. O casamento mantém sua força, mas não sua durabilidade de uma maneira geral. Será possível que a perspectiva de tentar novamente faz com que não tentemos o suficiente com o parceiro definido? Difícil discernir o ponto da perda, ou seja, até onde devemos insistir ou desistir de uma relação. Apenas, nesse ínterim, sou tomado por uma sensação de que estruturas e densidade emocional vem sucumbindo perante símbolos, pseudo-relações e tipificações do que se pensa ser compatibilidade.

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Outro dos meus textos inacabados. Espero que Richard Dawkins me ajude!

Paulo.