quarta-feira, 15 de fevereiro de 2006

A Transformação da Intimidade

"Nos relacionamentos gays, tanto masculinos quanto femininos, pode-se testemunhar a sexualidade completamente desvinculada da reprodução. A sexualidade das mulheres gays forma-se a partir de uma necessidade e está quase totalmente relacionada às implicações observadas no relacionamento puro. Ou seja, a plasticidade da resposta sexual é canalizada, acima de tudo, por um reconhecimento dos gostos dos parceiros e sua opinião sobre o que é ou não agradável e tolerável. O poder diferencial pode ser restabelecido por uma inclinação, por exemplo, para o sexo sadomasoquista. Uma mulher diz:

Eu gosto do sexo bruto, apaixonado, porque ele ultrapassa as barreiras da "pureza" que tantas mulheres controem em torno de si. Não há a sensação de contenção, tão freqüente com o sexo delicado, politicamente correto - "S e L", como uma de minhas amigas o apelidou (ou seja, sweetness and light, suave e leve). Minha aual amante e eu experimentamos algumas vezes sadomasoquismo e sujeição, e achamos muito excitante. Tudo o que temos feito tem sido totalmente consensual, e a "dominada" (que varia) tem sempre controle acompanhado da ilusão de estar fora do controle. Temos incluído coisas como espancamento, açoitamento, puxar os cabelos e mordidas, mas nunca a ponto de ferir ou mesmo de marcar. O que torna isso tão bom é a sensação de completo desprendimento.
Seria possível observar-se aqui o retorno do falo, e de uma forma um tanto odiosa. Até certo ponto isso pode ser correto, mas poderia ser também proposta uma interpretação diferente. Em relacionamentos lésbicos (assim como também entre os homens gays), as atitudes e as peculiaridades "proibidas" no relacionamento puro podem influenciar potencialmente, incluindo o controle intrumental e o exercício do poder formal. Confinado à esfera da sexualidade e transformado em fantasia - em vez de ser determinado pelo exterior, como habitualmente sempre ocorre -, o domínio talvez auxilie a neutralizar a agressão, que de outro modo se faria sentir em outra parte.

Como em outros aspectos, aquilo que poderia parecer uma característica retrógrada dos relacionamento sexuais mulher-com-mulher, realmente, poderia proporcionar um modelo para a atividade heterossexual eticamente defensável. O sadomasoquismo consensual não precisa ser apresentado como uma receita para a experiência sexual compensadora, mas o princípio que ele expressa é suscetível à generalização. A sexualidade plástica poderia tornar-se um
a esfera que não mais contivesse os detritos das compulsões externas e, em vez disso, assumiria o seu lugar como uma dentre outras formas de auto-exploração e construção moral. Talvez aqui possa ser descoberto um siginificado nos escritos de Sade, completamente diferentes daqueles em geral sugeridos. Em Sade, o poder, a dor e a morte investem-se inteiramente de sexo e são exercidos através da perversão. O falo domina tudo e a sexualidade é despojada de qualquer vestígio de ternura - ou assim parece. Mas Sade separa inteiramente a sexualidade feminina da reprodução e festeja a sua fuga crônica a partir da subordinação a interesses fálicos. Sua representação do sexo, que concetra tudo o mais dentro dele, poderia ser vista como um estratagema metafórico irônico, indicando a inocência da própria sexualidade."

Trecho de "A Transformação da Intimidade" do sociólogo Anthony Giddens.

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Respeitar demais tudo que é julgado diferente (ou se afastar) é se abster da tentativa de compreender. Ademais, buscar as bases de um fenômeno não implica sua assimilação! Do contrário, caso não seja nossa fantasia ou interesse privado, apenas reproduziremos comportamentos exteriores.