terça-feira, 7 de fevereiro de 2006

Reprodução vs. observação: redimensionando a dicotomia.

Pensei em revestir a noção da mensagem que quero passar com as minhas idéias, mas achei mais prudente me restringir ao original:

"No palco, em todos os bons melodramas onde há cenas de sangue, é costume alternar as cenas trágicas e cômicas tão regularmente como as camadas vermelhas e brancas de uma fatia de toicinho. Vergado pelo peso dos grilhões e desventuras, o herói cai sobre sua cama de palha; na cena seguinte, seu fiel escudeiro, sem saber da desgraça de seu amo, regala o auditório com uma canção cômica. Assistimos, ansiosos, ao rapto da heroína por uma barão orgulhoso e cruel; com a virtude e a vida igualmente em perigo, ela saca um punhal para defender esta à custa daquela, e, precisamente quando nossa emoção atinge o ponto mais alto, ouve-se um apito e somos imediatamente transportados ao salão nobre do castelo, onde um senescal de cabelos grisalhos entoa uma canção picaresca em coro com um grupo de vassalos ainda mais picarescos, daqueles que se encontram em toda espécie de lugares, das naves das igrejas aos palácios, e que vagueiam juntos, sempre cantando.

Tais mudanças parecem absurdas, mas não são tão pouco naturais quanto pareceriam à primeira vista. Na vida real, as transições de mesas bem-providas a leitos de morte e de vestes de luto a trajes festivos não são, de modo algum, menos alternadas que as do palco, só que nelas somos atores ativos em vez de observadores passivos, o que é uma grande diferença. Os atores em cena não sentem essas transições violentas e esses impulsos súbitos do sentimento e da paixão, que, apresentados aos olhos dos espectadores, são imediatamente julgados como exagerados e antinaturais."

Charles Dickens em Oliver Twist
[Capítulo XVII - O destino, continuando a ser ingrato para com Oliver, traz a Londres um grande homem para denegrir sua reputação]